José Correia Leite
Nasci
em São Paulo, no dia 24 de março de 1906, sob o signo de Áries. Minha mãe foi
abandonada pelo meu pai, um espanhol recém chegado da Europa, que veio ao
Brasil para trabalhar em uma fábrica na Barra Funda. Passei parte da minha
infância vivendo entre pessoas brancas, já que minha mãe, tendo sido
abandonada, foi acolhida pela patroa, a senhora Elenita Lafer, que na época
morava num belo casarão nos Campos Elíseos.
Embora
tenha vivido parte da minha infãncia na casa de gente abastada e quatrocentona
de São Paulo, tendo com isso apreendido os bons modos e costumes deles, não
tive o apoio que precisava, no que diz respeito aos meus estudos, já que eles
achavam que dar cama e comida para a família de sua empregada abandonada pelo
"marido" era o suficiente. Até o ano de 1919, me sentia um estranho
no ninho, já que convivia e presenciava apenas a vida daquela família branca e
rica, não tendo até aquele momento, contato com pessoas de pele escura como eu.
Tudo mudou quando saí de "casa" para trabalhar, e entre minhas
andaças pela capital conheci dona Feliciana Gonçalves, uma professora de Liceu
que me incentivou a estudar. Naquela época, trabalhava como entregador de
marmitas, e entre uma entrega e outra e também nas noites depois de um dia
cheio de trabalho, me entregava ao aprendizado do ler e escrever. Conheci
importantes escritores do século XIX, e entre romances de José de Alencar e
Machado de Assis, teorias políticas abolicionistas de Joaquim Nabuco e José do
Patrocínio, conheci meu mentor espiritual: Luiz Gama.
Sou
um autodidata feroz, que não abre mão, tendo conhecido as teorias da formação
da república brasileira, de dar o sangue para que o povo negro se integre nesta
sociedade em desequilíbrio. E por falar em negros, foi quando saí pra rua, pra
vida do trabalho, que percebi que a cidade de São Paulo era também habitada por
pessoas que tinham a pele escura como eu e minha mãe, e me lembro que entre
leituras, versos, política e marmitas, despertei!
Fiz
amigos e tive grandes paixões. Em 1924 tive um filho, Gulherme, fruto de um
romance com uma atendente da alfaiataria "Volponi", que ficava na rua
15 de novembro. Cometi o erro do meu pai. Como não tive pai, não poderia ser um
e sim, abandonei Catarina e Gulherme, antes mesmo de ele nascer. Apenas meu
amigo de vida e lutas políticas, Abdias do Nascimento, sabe dessa história
guardada à sete chaves.
Os
meus vinte e poucos anos foram cercados de intenso trabalho, dedicação e
participação política. Aliás, não sou herdeiro, tudo que conquistei e tenho
hoje foi fruto do meu trabalho. Já estava totalmente envolvido com a causa
negra, e acreditava sim e ainda acredito que "o negro é um, ele tem que
ser indivisível, com uma bandeira de luta dele". Participei ativamente da
fundação do Clube Negro de Cultura Social, que foi idealizado por mim e José de
Assis Barbosa. Daqueles tempos pra cá trabalho como jornalista na Rádio Jornal
- Associados de Comuncação Luz Negra, e entre sambas, bambas e ideais, peço passagem pra um novo
modo de pensar o povo negro nesta República que chamamos Brasil.
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