terça-feira, 15 de julho de 2014


José Correia Leite


Nasci em São Paulo, no dia 24 de março de 1906, sob o signo de Áries. Minha mãe foi abandonada pelo meu pai, um espanhol recém chegado da Europa, que veio ao Brasil para trabalhar em uma fábrica na Barra Funda. Passei parte da minha infância vivendo entre pessoas brancas, já que minha mãe, tendo sido abandonada, foi acolhida pela patroa, a senhora Elenita Lafer, que na época morava num belo casarão nos Campos Elíseos.
Embora tenha vivido parte da minha infãncia na casa de gente abastada e quatrocentona de São Paulo, tendo com isso apreendido os bons modos e costumes deles, não tive o apoio que precisava, no que diz respeito aos meus estudos, já que eles achavam que dar cama e comida para a família de sua empregada abandonada pelo "marido" era o suficiente. Até o ano de 1919, me sentia um estranho no ninho, já que convivia e presenciava apenas a vida daquela família branca e rica, não tendo até aquele momento, contato com pessoas de pele escura como eu. Tudo mudou quando saí de "casa" para trabalhar, e entre minhas andaças pela capital conheci dona Feliciana Gonçalves, uma professora de Liceu que me incentivou a estudar. Naquela época, trabalhava como entregador de marmitas, e entre uma entrega e outra e também nas noites depois de um dia cheio de trabalho, me entregava ao aprendizado do ler e escrever. Conheci importantes escritores do século XIX, e entre romances de José de Alencar e Machado de Assis, teorias políticas abolicionistas de Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, conheci meu mentor espiritual: Luiz Gama.
Sou um autodidata feroz, que não abre mão, tendo conhecido as teorias da formação da república brasileira, de dar o sangue para que o povo negro se integre nesta sociedade em desequilíbrio. E por falar em negros, foi quando saí pra rua, pra vida do trabalho, que percebi que a cidade de São Paulo era também habitada por pessoas que tinham a pele escura como eu e minha mãe, e me lembro que entre leituras, versos, política e marmitas, despertei!
Fiz amigos e tive grandes paixões. Em 1924 tive um filho, Gulherme, fruto de um romance com uma atendente da alfaiataria "Volponi", que ficava na rua 15 de novembro. Cometi o erro do meu pai. Como não tive pai, não poderia ser um e sim, abandonei Catarina e Gulherme, antes mesmo de ele nascer. Apenas meu amigo de vida e lutas políticas, Abdias do Nascimento, sabe dessa história guardada à sete chaves.
Os meus vinte e poucos anos foram cercados de intenso trabalho, dedicação e participação política. Aliás, não sou herdeiro, tudo que conquistei e tenho hoje foi fruto do meu trabalho. Já estava totalmente envolvido com a causa negra, e acreditava sim e ainda acredito que "o negro é um, ele tem que ser indivisível, com uma bandeira de luta dele". Participei ativamente da fundação do Clube Negro de Cultura Social, que foi idealizado por mim e José de Assis Barbosa. Daqueles tempos pra cá trabalho como jornalista na Rádio Jornal - Associados de Comuncação Luz Negra, e entre sambas, bambas  e ideais, peço passagem pra um novo modo de pensar o povo negro nesta República que chamamos Brasil. 

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